CRÍTICA LITERÁRIA - "PEQUENO PERFIL CURITIBANO"


CRÍTICA LITERÁRIA - "PEQUENO PERFIL CURITIBANO"

ESPECIAL JUL LEARDINI

(“...poderia me dar a honra desta contradança? – Perguntou o poeta para a linda moça de tez branca e suave. / Por que haveria de fazê-lo – respondeu ela. / Porque sou poeta: não vale?).
Entre o vácuo, a substância e a catarse

(*) Mhario Lincoln


Não há nenhum vácuo nas memórias de Jul Leardini. Se tivesse eu que titular o livro que ora leio, o faria de forma diferente. Não apenas um perfil curitibano, mas, muito mais. Um perfil intrínseco à substância e à catarse. Uma catarse, sem dúvida.

Jul é aquela pessoa que mostra o peito, arregaça a manga e se doa inteiramente a uma causa. Nas linhas que envolvem “Pequeno Perfil Curitibano”, essas, traduzem parte (ou seu todo, quem vai saber) da convivência dele com personagens de seu próprio cotidiano. Curitiba entra aí como um grande pano de fundo, como um cenário onde as coisas acontecem.
Nesse perfil, Curitiba não é mais aquela garota infantil, carinhosamente deflorada por europeus da cortina de ferro. A Curitiba de Jul é mais fática, fatídica, não mais frágil como d'antes.

Jul consegue vivenciar a Curitiba de um inverno que não mais inverna tanto, de um verão que não mais veraneia tanto, de tempestades, que não mais com tantos relâmpagos – “(...) chego na Galeria Tijucas, quando a tempestade resolve assustar os curitibanos. Os relâmpagos rasgam o céu negro e os ribombares sacodem os prédios(...)”.

Mas, em todos os relatos, em pequenas crônicas, onde há gente, há urbe, há fauna, há flora, há espaço e tempo, tudo ligado diretamente à cidade-cenário, há também traços evidentes de um lirismo, de uma psique de extrema ganância íntima em sempre se interligar ao conteúdo físico, mas exuberante, da cidade e seus personagens.

A ambientação urbana da história concede aos textos, algo, à princípio, bairrista, mas no fundo, fatos bem superiores a uma interpretação simplesmente material ou diagnóstica de terra, pedra, cimento, inverno ou verão.
Há em meio a tudo isso, cuja cidade embrulha, algo de gente, algo de pessoa, onde o autor e seus personagens, em igualdade de condições, às vezes, rasgam dilemas interiores, conflitos e vicissitudes.

Há cheiro no ar de filosofia, além das rosas dos parques. Há cheiro nessas páginas de um René Descartes, “...enquanto assim queria pensar que tudo era falso, eu, que assim o pensava, necessariamente era alguma coisa. (RD)”. 

Portanto, há cheiro de certa solidão descarteana: “(...) logo estarei descendo pela rua Ébano Pereira, aliviado por tudo haver terminado novamente, até chegar à rua das Flores, onde, mergulhado neuroticamente no seu mar de gente, poderei esquecer que existo, finalmente(...)”.
Há intenso cheiro de suspeitas. O autor e seus personagens, personagens e autor; uma parte autor, outra, personagem; uma parte a inevitável conclusão empírica, outra, a desfalência de John Locke. O simples e geométrico viés literário, somado a experiência da observação, fatores vibratórios na alma do autor. 

Eis Jul Leardini, autor e ator, do jeito que ele o é, de verdade. Há cheiro explícito do escrever para exaurir sua vontade de aumentar seus monólogos nos palcos da vida.

Claro e evidente, indiscutível, que as linhas, frases e parágrafos desta obra vêm da experiência, portanto, dos sentidos, o que para mim, soa como uma noção cartesiana de sujeito, sim, como (substância), apesar de Locke.

Essa substância é intrínseca ao sofrimento, ao relato, ao contato, à esperança, à desilusão, ao bairrismo, este, usado para promover a dinâmica, mobilizando energias telúricas em prol de todos, bem como ser a sua real manifestação político-cultural. E mais, puro lirismo, até: (“poderia me dar a honra desta contradança? – Perguntou o poeta para a linda moça de tez branca e suave. / Por que haveria de fazê-lo – respondeu ela. / Porque sou poeta: não vale?).

Todos os personagens e autor fazem suas catarses. E isso é (substância). Neste caso, substância aristotélica, a que se refere aos universos abstraídos dos indivíduos, referências mediadas pelo pensamento e pelo raciocínio do autor.

A existência desta obra – “Pequeno Perfil Curitibano” - dá a Jul Leardini dependência direta dos indivíduos, transformados em personagens. A essência se mistura e se prolonga como um apêndice bem definido. Nesse pequeno livro de 100 páginas, Jul, enfim, conseguiu mobilizar sua experiência como indivíduo e transmiti-la, com detalhes sutis, a cada um de seus personagens, sem esquecer os fundamentos básicos de uma novela da vida: amor, perda, compaixão, ódio e loucura. 

Parabéns, mestre!

(*) Mhario Lincoln
Presidente da Academia Poética Brasileira
www.academiapoeticabrasileira.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário