A TERCEIRA MEDITAÇÃO DE RENÉ DESCARTES - PARTE 5

 


Meditações Metafísicas

 
René Descartes

Sobre a Terceira Meditação

Parágrafo 17


Parte 5

(ii)

 

PRESSUPOSTOS E CONSEQUÊNCIAS DESSA ARGUMENTAÇÃO

 

Segundo, algumas livres reflexões

 

Primeiro problema

 

            Quando chegamos ao parágrafo 17 da Terceira Meditação, após termos passado pela conclusão de Descartes sobre a primeira evidência clara e distinta, que é o “penso, logo existo”, também considerado por ele como a primeira certeza do método, deparamo-nos com uma tentativa forçada de Descartes de, em prol de uma lógica toda sua, estabelecida pelo método, querer nos fazer crer que, se tudo deriva de uma causa, e se essa causa é anterior ao efeito, ela deve conter todos os elementos do efeito e um pouco mais, talvez.

 

Mas agora vem, a meu ver, o maior problema: Descartes quer nos conduzir à conclusão de que essa causa, que em todas as outras coisas pode ser entendida como agente causal,  fato-gerador, algo-gerador, etc., no caso específico do homem, essa “coisa-geradora” seria por ele designada de Deus.

 

Não quero aqui duvidar da existência de Deus, mas apenas questionar esse frágil pensamento cartesiano, que só pela conclusão de que existe uma causa primeira da existência do homem, essa causa tenha que ser Deus.

 

Se ele chegou a essa conclusão de que para tudo existe uma causa primeira, essa já está nomeada e pode ser qualquer coisa, sendo desnecessário renomeá-la, neste caso, dando-lhe o nome de Deus. Seguindo essa linha de pensamento, a meu ver, poderíamos chamar essa causa ainda de qualquer outra coisa, como: motor-primeiro, causa-geradora, gerador, fato-criador ou tantas coisas semelhantes.

 

Por que chamar de Deus essa causa ou por que deduzir que da simples existência de uma causa primeira essa causa possa ser nomeada como Deus?

 

Sou forçado a crer que, devido ao crescente ateísmo da época, surgido pelo descrédito da igreja católica e a perda de fiéis, Descartes tentou construir uma teoria visando provar, com o instrumento da discórdia bíblica - justamente o intelecto – a existência de Deus, por outro caminho que não o da fé e da crença, tentando solidificar ainda mais essa crença através da filosofia, e de certa maneira, comprometendo a própria trajetória da filosofia, ao misturar assuntos de crença com assuntos da razão.

 

(continua) 

 

Bibliografia:

Agostinho. De Libero Arbitrio, livro II, capítulo 3, parágrafos 7, 8 e 9.

Descartes, Rene, Meditações Filosóficas (1ª, 2ª e 3ª meditação), edição Os Pensadores.

Descartes, Rene, Princípios da Filosofia, Editora UFRJ, 2002.

 


A TERCEIRA MEDITAÇÃO DE RENÉ DESCARTES - PARTE 4

 

Meditações Metafísicas

 
René Descartes

Sobre a Terceira Meditação - Parágrafo 17


Parte 4

(ii)

 

PRESSUPOSTOS E CONSEQUÊNCIAS DESSA ARGUMENTAÇÃO

 

 

Primeiro, o pensamento de Descartes contido na Terceira Meditação

 

Na Terceira Meditação, René Descartes estabelece uma prova a posteriori da existência de Deus, partindo de Sua existência, de Sua perfeição, da ideia de Deus em nós, usando um argumento ontológico e fazendo uma exposição na ordem sintética ao começar por “De Deus, que Ele existe”.

Assim como para os cristãos “Deus É”, para Descartes o “pensamento é”, e Deus sendo a razão (causa) do ser do ego, este seria a razão de conhecer Deus. E o pensamento, sendo sempre pensamento de algo, e o eu sendo o pensamento, diríamos que o eu é o pensamento de Deus.

            Podemos estabelecer três ordens para o pensamento cartesiano nas Meditações:

1ª) Ordem das Razões ou dos Conhecimentos: que é dividida em três partes:   

a)    COISAS EM SI – são as coisas retiradas do mundo objetivo, do senso comum, das opiniões e que são colocadas por Descartes, provisoriamente, num baú das relatividades, ou seja, no lugar das coisas duvidosas, com as quais se deve tomar precauções, para que elas não nos induzam a julgamentos precipitados. Descartes não duvida da verdade das coisas, mas das opiniões.

b)    EGO – O eu, o pensamento, a substância pensante, a substância extensa, Deus, o homem. Há dois caminhos aqui, duas ordens, duas maneiras de estabelecer a relação Deus X homem. A primeira é partindo do homem para Deus e a outra é partindo de Deus para o homem, ambas as maneiras praticadas nas obras de Descartes.

c)    COISAS PARA MIM – é a ordem dos pensamentos, das ideias, que podem ser absolutas (Deus, ser) e relativas (coisas que contêm pouco clareza e distinção, como as coisas provindas dos sentidos).

2ª) Ordem do Ser – o conhecimento metafísico busca o ser e o  conhecimento científico busca o objeto.

3ª) Ordem do Conhecer – coexistência entre o Ego e Deus, ou relação entre Ratio Cognoscendi de Deus (a razão de conhecer Deus) e Ratio Essendi do Ego (razão, ou causa do ser do Ego).

 

            A ideia (logos, pensamento) não precisa do objeto. Ela já é em si. Ao contrário, o objeto não existe sem a ideia. Ela é-lhe imprescindível. Deus é em-si, o homem depende dele. A ideia do homem amolda-se à forma-homem. Essa forma-homem surge da ideia do homem. E a ideia do homem é o homem, na essência. Sua forma contém a essência, que está na ideia do homem. E essa essência surgiu do Espírito, a fonte de todas as ideias e coisas, que para Descartes é Deus. E o papel do conhecimento, nesse contexto, é, para o homem (Ego), levar a Deus, e para Deus, trazer o homem novamente a Si.

 

 

(continua) 

 

Bibliografia:

Agostinho. De Libero Arbitrio, livro II, capítulo 3, parágrafos 7, 8 e 9.

Descartes, Rene, Meditações Filosóficas (1ª, 2ª e 3ª meditação), edição Os Pensadores.

Descartes, Rene, Princípios da Filosofia, Editora UFRJ, 2002.


A TERCEIRA MEDITAÇÃO DE RENÉ DESCARTES - PARTE 3




Meditações Metafísicas

 
René Descartes


Sobre a Terceira Meditação
Parágrafo 17



Parte 3

Definições dos Principais Termos usados por Descartes

Como realidade objetiva, Descartes entende o objeto apresentado pela ideia, ou seja, sua representação, o ser para nós. Como realidade atual ou formal, ele nos dá a entender que é a realidade efetiva das coisas em si, o ser em si.
            Ideia para o filósofo é um elemento da verdade e esta é a conformidade do pensamento com as coisas. Há na sua obra um conceito relacional de verdade, ou seja, as ideias (pensamentos) e as coisas (objetos) relacionam-se com a verdade, porque é justamente dessa relação de conformidade ou não que podemos estabelecer os juízos de verdade ou falsidade dessas ideias e dessas coisas.
            Vemos ainda, seguindo o texto, a exposição de que uma ideia não pode estar ou surgir em alguém se não tiver sido colocada nele, de alguma maneira, por um agente causador, e não há como pensar que este não contenha em si tanta realidade como a que foi colocada nesse alguém, seja ela formal ou objetiva.

            Para Descartes, o pensamento tem dois gêneros:
            Ideias – que são divididas em inatas, adventícias e fictícias.
            Volições ou juízos – que são a vontade e o entendimento, que pode ser verdadeiro ou falso.

            O conceito cartesiano de ideia é “maneiras de pensar”, ou “imagens das coisas”. O primeiro conceito refere-se à dita realidade formal e o segundo à realidade objetiva, aquela, a realidade efetiva das coisas, e esta, a sua representação.
            Há três tipos de ideias:
            Ideias inatas: aquelas em que a noção das coisas já está em si, como uma verdade, um pensamento, um valor, etc.;
            Ideias Adventícias: aquelas que vêm de fora, como a idéia do calor, da cor, da forma, do cheiro, etc.;
            Ideias fictícias: aquelas formadas por mim mesmo, como a idéia do unicórnio, das fadas, dos gnomos, etc.
           
            Esse Princípio da Causalidade, também invocado com o nome de “manifesto pela luz natural” é, então, o conhecimento de que as ideias que surgem no ser jamais poderiam ser maiores ou mais perfeitas do que as coisas de onde foram tiradas, podendo ser, desta forma, quadros, ou imagens imperfeitas delas. E a correspondência é exatamente a justa relação entre a realidade atual ou formal e a realidade objetiva.



Bibliografia:
Agostinho. De Libero Arbitrio, livro II, capítulo 3, parágrafos 7, 8 e 9.
Descartes, Rene, Meditações Filosóficas (1ª, 2ª e 3ª meditação), edição Os Pensadores.
Descartes, Rene, Princípios da Filosofia, Editora UFRJ, 2002.