A TERCEIRA MEDITAÇÃO DE RENÉ DESCARTES - PARTE 8

 




Meditações Metafísicas

 
René Descartes

 

 

Sobre a Terceira Meditação

Parágrafo 17


Parte 8

(ii)

 

PRESSUPOSTOS E CONSEQUÊNCIAS DESSA ARGUMENTAÇÃO

 

 

Algumas livres reflexões

 

 

Quinto Problema

 

            Se não for possível existir algo na ideia que lhe seja própria, adicional àqueles elementos dados pela causa, concluímos que o ser ou o objeto nunca dá nada de si a qualquer coisa.

            Mas será que o homem, quando pensa em algo, realmente não coloca nesse pensamento ou ideia nenhum elemento seu, agregando aos elementos básicos algo mais?

            É difícil admitir a existência de um mundo ou de um Deus de tal natureza, dominado pela mesquinhez, que teria deixado tudo tão pronto, tão reduzido a um jogo de quebra-cabeças sem escapatória, um circuito imutável, ao qual tudo teria que se adequar tão rigidamente, que até os próprios pensamentos fossem reduzidos a meros impulsos repetitivos de nervos condicionados por um motor primeiro, gerador de todas as células repetidas e cristalizadas em tudo.

            Será que precisamos voltar àquele pensamento atrasado, imaginando um Deus-jogador, que brinca com os seres num tabuleiro de xadrez, ou que, com sua gigantesca vaidade, goste de fazer girar em torno de si tantos bonecos?

 

 

(continua) 

 

Bibliografia:

Agostinho. De Libero Arbitrio, livro II, capítulo 3, parágrafos 7, 8 e 9.

Descartes, Rene, Meditações Filosóficas (1ª, 2ª e 3ª meditação), edição Os Pensadores.

Descartes, Rene, Princípios da Filosofia, Editora UFRJ, 2002.


A TERCEIRA MEDITAÇÃO DE RENÉ DESCARTES - PARTE 7

 




Meditações Metafísicas

 
René Descartes

 

 

Sobre a Terceira Meditação

Parágrafo 17


Parte 7

(ii)

 

PRESSUPOSTOS E CONSEQUÊNCIAS DESSA ARGUMENTAÇÃO

 

 

Algumas livres reflexões

 

 

Terceiro problema

 

            Não me convence que a causa deva ter tanta realidade quanto o efeito: um empurrão pode ser a causa de uma queda e não precisa, necessariamente, conter nada do efeito gerado.

 

            Se tal exemplo parecer abstrato demais, cito outro: dizem que “na semente da maçã está a maçã”, mas, se isto é verdade, porque a maçã tem várias sementes, além do corpo farináceo, casca e líquido nela contidos? Não seria o caso então de dizermos que “na maçã está a semente da maçã”? Pois a maçã, além de conter em si as sementes, contêm ainda outras coisas não vistas na semente. Além do mais, alguém já comprovou que a semente surgiu antes da maçã? E se a maçã tiver surgido antes, de algum fenômeno natural, e trouxe consigo a semente?

 

 

Quarto problema

 

            Não pode algo mais perfeito surgir do menos perfeito?

 

            Se assim não for, como explicar o fenômeno Wolfgang Amadeus Mozart que, superando totalmente o pai, também músico, não só era surpreendentemente superior ao genitor, mas também até hoje é considerado insuperável?

 

            Se o exemplo também for pálido, vamos aos objetos em si: o que é mais perfeito, a argila ou a obra de arte dela derivada? O mármore de Carrara é mais perfeito que o Davi de Michelângelo Buonarroti, só pelo fato de conter em si todos os elementos materiais da obra de arte dele derivada?

 

            Não seria o caso de dizermos, não que a causa seja mais perfeita que o efeito, mas simplesmente que a causa contêm todos os elementos do efeito?

 

            Parece-me frágil o encaminhamento de Descartes, e estou mais disposto a crer, pelo que observo no mundo, que, aquilo que ora é entendido como efeito, pode, por outro lado, também ser compreendido como causa e cito o seguinte exemplo: se penso uma cadeira, pelo pensar de Descartes, eu somente poderia pensar nela porque a ideia da cadeira já está em mim, porque essa ideia é a causa do meu pensar e sem essa causa do meu pensar, que é a ideia da cadeira, não poderia haver a cadeira.

 

            Mas isto significa dizer que o objeto cadeira deriva de um modelo de cadeira, já pré-existente em algum lugar, talvez num empíreo, num outro mundo ou em outro plano, mais sutil ou mais etéreo.

 

            Supondo que isto pudesse ser verdade, que autonomia Descartes estaria dando ao pensamento individual, uma vez que tudo que ele pensa já é pré-dado, pré-existente? Será que até o fruto da mais original imaginação também estaria condicionado a estas imagens ideais? O que seria o homem, neste caso, além de um simples repetidor de modelos-formais de tudo que se imagina? Não estaria a vida reduzida a um simples protótipo e, deste modo, o homem transformado em mera máquina repetidora, que meramente reproduz um modelo, não dando nada de si, não passando de uma alavanca de comando que movimenta um pedaço de coisa qualquer, para moldar outro objeto?

 

 

(continua) 

 

Bibliografia:

Agostinho. De Libero Arbitrio, livro II, capítulo 3, parágrafos 7, 8 e 9.

Descartes, Rene, Meditações Filosóficas (1ª, 2ª e 3ª meditação), edição Os Pensadores.

Descartes, Rene, Princípios da Filosofia, Editora UFRJ, 2002.

 


A TERCEIRA MEDITAÇÃO DE RENÉ DESCARTES - PARTE 6