Meditações
Metafísicas
René Descartes
Sobre a Terceira Meditação
Parágrafo 17
Parte 7
(ii)
PRESSUPOSTOS E CONSEQUÊNCIAS DESSA ARGUMENTAÇÃO
Algumas livres reflexões
Terceiro problema
Não me convence que a causa deva ter
tanta realidade quanto o efeito: um empurrão pode ser a causa de uma queda e
não precisa, necessariamente, conter nada do efeito gerado.
Se tal exemplo parecer abstrato
demais, cito outro: dizem que “na semente da maçã está a maçã”, mas, se isto é
verdade, porque a maçã tem várias sementes, além do corpo farináceo, casca e
líquido nela contidos? Não seria o caso então de dizermos que “na maçã está a
semente da maçã”? Pois a maçã, além de conter em si as sementes, contêm ainda
outras coisas não vistas na semente. Além do mais, alguém já comprovou que a
semente surgiu antes da maçã? E se a maçã tiver surgido antes, de algum
fenômeno natural, e trouxe consigo a semente?
Quarto problema
Não pode algo mais perfeito surgir
do menos perfeito?
Se assim não for, como explicar o
fenômeno Wolfgang Amadeus Mozart que, superando totalmente o pai, também
músico, não só era surpreendentemente superior ao genitor, mas também até hoje
é considerado insuperável?
Se o exemplo também for pálido,
vamos aos objetos em si: o que é mais perfeito, a argila ou a obra de arte dela
derivada? O mármore de Carrara é mais perfeito que o Davi de Michelângelo
Buonarroti, só pelo fato de conter em si todos os elementos materiais da obra
de arte dele derivada?
Não seria o caso de dizermos, não
que a causa seja mais perfeita que o efeito, mas simplesmente que a causa
contêm todos os elementos do efeito?
Parece-me frágil o encaminhamento de
Descartes, e estou mais disposto a crer, pelo que observo no mundo, que, aquilo
que ora é entendido como efeito, pode, por outro lado, também ser compreendido
como causa e cito o seguinte exemplo: se penso uma cadeira, pelo pensar de
Descartes, eu somente poderia pensar nela porque a ideia da cadeira já está em
mim, porque essa ideia é a causa do meu pensar e sem essa causa do meu pensar,
que é a ideia da cadeira, não poderia haver a cadeira.
Mas isto significa dizer que o
objeto cadeira deriva de um modelo de cadeira, já pré-existente em algum lugar,
talvez num empíreo, num outro mundo ou em outro plano, mais sutil ou mais
etéreo.
Supondo que isto pudesse ser
verdade, que autonomia Descartes estaria dando ao pensamento individual, uma
vez que tudo que ele pensa já é pré-dado, pré-existente? Será que até o fruto
da mais original imaginação também estaria condicionado a estas imagens ideais?
O que seria o homem, neste caso, além de um simples repetidor de
modelos-formais de tudo que se imagina? Não estaria a vida reduzida a um
simples protótipo e, deste modo, o homem transformado em mera máquina
repetidora, que meramente reproduz um modelo, não dando nada de si, não
passando de uma alavanca de comando que movimenta um pedaço de coisa qualquer,
para moldar outro objeto?
(continua)
Bibliografia:
Agostinho.
De Libero Arbitrio, livro II, capítulo 3, parágrafos 7, 8 e 9.
Descartes,
Rene, Meditações Filosóficas (1ª, 2ª e 3ª meditação), edição Os Pensadores.
Descartes,
Rene, Princípios da Filosofia, Editora UFRJ, 2002.