O PROBLEMA DA DESRAZÃO




O problema da desrazão


Texto base: Doença Mental e Psicologia – Michel Foucault)



            (Parte 1)


Foucault nos informa que até o século XIX, a experiência com a loucura no ocidente assumia formas variadas.

Na verdade, desde os gregos clássicos já se pensava no problema da loucura e buscava-se decifrar os seus enigmas e a sua cura.

Na Idade Média já havia locais reservados aos loucos considerados curáveis.

Na Renascença (século XVI), o louco era considerado figura exótica, vivia no meio das pessoas, se relacionava com elas e podemos dizer, não havia um peso tão forte de juízo moralizante sobre ele, apesar de num passado recente, já ter sido excluído do convívio social. Mas ainda imperava a rejeição da loucura e uma certa repulsão a sua figura.

No período denominado Clássico (séculos XVII e XVIII) a loucura transformar-se-á em doença, exigindo-se o internamento do louco para purificação do espaço social, ligando-se a isso os conceitos de culpa e castigo, derivando um efeito moralizante sobre o dito louco. Aqui o louco passa a ser considerado uma pessoa com minoridade jurídica e não responsável por seus atos, numa clara distinção entre “ser e não ser”, numa cisão profunda entre “razão e desrazão”, num movimento de reação e exclusão do ser-louco da sociedade, o qual passa a ser considerado um “não-ser”, ou seja, uma essência humana desviada. A experiência social com o louco nesse período considerava que alienação e maldade eram cúmplices e andavam juntas, e que uma vontade má poderia levar o sujeito ao internamento, mesmo se sua razão fosse sã. Considerando-se que havia uma liberdade de decisão, o peso recairia sobre a vontade, transformando a questão num problema de ordem ética.

No campo jurídico, havia um estabelecimento de limites de graus de comportamento, os quais, transpostos, colocariam o indivíduo numa situação de risco de exclusão pelo internamento.

Em meados do século XVII, essa exclusão do louco da sociedade vai ocasionar uma brusca mudança, com a criação em toda a Europa de casas de internação onde não eram internados apenas os ditos “loucos”, mas também qualquer indivíduo considerado “diferente” ou “problemático”, em resumo, todo aquele que à sua maneira altera a ordem vigente e os padrões de comportamento da época.

O problema é que essas instituições não eram de ordem médica, mas apenas tinham por funções isolar essas pessoas da sociedade e um certo assistencialismo, não sem a exploração do trabalho forçado e dos lucros advindos dele, além de fiscalização e imposição moral, controladas através de castigos. Percebe-se claramente que esse internamento/isolamento estava ligado à necessidade de manter uma certa aparência de ordem, sanidade e limpeza dos centros urbanos. Essa época de internamento será longa, trazendo inúmeras injustiças e desumanidades, criando a impossibilidade de expressão do louco, o que somente viria a acontecer quando Freud levantaria essas temas através de suas obras e seus trabalhos. Mais precisamente, quando Freud faz a descoberta do sentido, “trata-se de retomar um exame mais rigoroso da realidade humana” (4), conforme Foucault.

(continua)


Referências Bibliográficas:

(1) Foucault, Michel, Problematização do Sujeito: Psicologia,  Psiquiatria e Psicanálise - A Psicologia de 1850 a 1950, Coleção Ditos e Escritos;
(2) Foucault, Michel, Doença Mental e Psicologia, cap. V, pág. 75.
(3) Foucault, Michel, Problematização do Sujeito: Psicologia,  Psiquiatria e Psicanálise - A Psicologia de 1850 a 1950, Coleção Ditos e Escritos, edição de 1957, página 122, introdução;
(4) Foucault, Michel, Problematização do Sujeito: Psicologia,  Psiquiatria e Psicanálise - A Psicologia de 1850 a 1950, Coleção Ditos e Escritos, edição de 1957, página 17;
(5) Foucault, Michel, Problematização do Sujeito: Psicologia,  Psiquiatria e Psicanálise - A Psicologia de 1850 a 1950, Coleção Ditos e Escritos, edição de 1957, página 208;

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